
Aprendi com a poesia de Drummond que não se deve cantar a terra em que nascemos. Mas essa gente, que nasceu no interior de Minas, que viveu cercado de montanhas por todos os lados, que se acostumou desde pequeno a escalar a vida, a ultrapassar montes em busca de cachoeira ou córrego manso, essa gente é teimosa, não se cansa de esperar por tempo bom.
Na minha terra tem palmeiras e tem sabiás. Mas os sabiás, como todo sabiá, não cantam nas palmeiras. Na minha terra as palmeiras disputam a altura dos prédios, limitam-se com as torres das igrejas, cercam o jardim contra seres extraterrestres. No jardim tem coreto, tem banco, tem abrigo.
Minha terra é espelho de cidade mineira. Tem ruas tortuosas e meninos gritando picolé e sorvete. Já teve índio, não tem mais... Hoje a gente fica impressionado é com a Pedra Itaúna, uma rocha grande e negra, verdadeiro cartão postal da alma conterrânea. Lá de cima pontos coloridos cortam os ares: são os parapentes.
Caratinga é ao mesmo tempo pedra e ar. O mineiro nascido ali é saudosista, aprende logo a olhar para o passado. A vida era boa e a gente não sabia... Mas esse sentimento de pedra, de quem é agarrado na terra com unhas e raízes, também alimenta um desejo secreto de voar. Assim, o caratinguense (mineiro come quieto) vai aos poucos sonhando com o outro lado da montanha, com outros horizontes.
Muita gente famosa saiu de minha terra (para que dizer o nome deles?). São homens e mulheres importantes. Voaram. Mas de vez em quando eles se lembram de que a Itaúna está lá esperando por eles e voltam, sem avisar é claro, para recuperar um pouquinho o gostinho do passado. Passado o medo da altura começam a ficar com medo de se empedernirem e partem.
Às vezes eu me incomodo com o tanto de artista que tem em tão pouco espaço de terra. Após uma breve investigação nas palavras desses habitantes, descubro que pela dificuldade de se lambuzar na arte alheia, acabam virando artistas. Ah, por isso é comum encontrarmos um pintor que é poeta, fotógrafo, escultor e, nas horas vagas, arranha um violão. Chegará o tempo do cravo.
Esses artistas da minha terra são as pessoas mais interessantes para se conhecer. É comum encontrá-los caminhando durante a noite ou sentados na praça. Eles velam o sono da cidade, dos homens responsáveis pelo funcionamento prático da urbe. E enquanto velam, projetam um futuro grandioso para a terrinha. Esses artistas de minha terra são mais importantes do que os homens famosos, ainda que desconhecidos.
É comum se cansarem e como pedra que cria asas, caírem em outras cidades maiores, em busca de conforto espiritual. Às vezes estudam, especializam-se e, tornam-se profissionais. Por isso é comum perderem aquele brilho de pedra esquecida no sereno. Deixam de ser vários em um e passam a ser uma engrenagem, uma peça importante no funcionamento de um mundo, em qualquer universo escolhido.
Então se lembram de que no interior de Minas, lá no leste, existe uma pedra chamada Itaúna e sentem que é preciso visitá-la, revê-la, que é preciso ser um pouco de pedra também. Impossível distinguir os artistas dos transeuntes. É tempo de voar. Permanece a certeza de que vagabundos freqüentam as noites repletos de boas intenções.
esses homens e mulheres que são ar e que são pedra...
ResponderExcluirmarcos... putamerda! que síntese acurada e discreta. que boa e leve análise do roteiro dos intelectuais daquele são joão do caratinga...
ResponderExcluir"É comum se cansarem e como pedra que cria asas, caírem em outras cidades maiores, em busca de conforto espiritual. Às vezes estudam, especializam-se e, tornam-se profissionais. Por isso é comum perderem aquele brilho de pedra esquecida no sereno. Deixam de ser vários em um e passam a ser uma engrenagem, uma peça importante no funcionamento de um mundo, em qualquer universo escolhido."
um texto que poderia derivar para memórias de rancores, mas que opta pelo sereno, pela memória como memorial, homenagem, marco.
me satisfêz ao ponto de lhe oferecer um jogo de palavras no parágrafo anterior. salute a todos.
carlão
Cássio e Carlão,
ResponderExcluirObrigado pelos comentários. Sou todo ouvidos.
Pra quem tinha escrito aquele poema do sesquicentenário caratinguense eu pareço ter me superado, não é? Qualquer hora volto com mais textos.
Abraços.
Minha saudade já era enorme, agora, hiperbólica!!
ResponderExcluirQuem não viveu (vive) não vê!
Parabéns! Se superou sim.