sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

POETA DE ALUVIÃO

POETA DE ALUVIÃO

Nasci naturalmente poeta



daí então, na hora certa, deixei-me levar pela mão

Levado demais

fui formalista, menino de mil tradições

Nasci com muitas missões, naturalmente poeta

mas para agradar companheiros

(russos, franceses, ingleses de ocasião)

fui analista, fui esteta


artificialmente cresci


Ademais, aprendi e desaprendi o cansaço das línguas

desumanizei o meu verso

perdi todas as sementes das flores do mal

e o que era pra ser, afinal, não foi

virei uma espécie de sapo-boi alumbrado

Falei difícil, hermeticamente fechado

Falei a linguagem linguagem

ponte e fachada para o nada, lugar nenhum


Hoje eu sou mais um que se despedaça

Minha poética fina, sem substância de massa

não tem como dar às bocas carentes de poesia

o grosso sustento diário de dor e de alegoria

que fazem do homem humano, comedor de feijão,

o inicio e o fim do poema


Levado demais, fui além, deixado levar pela mão

(meus pés já não tocam o fundo do rio)

Poeta para poetas, poeta de aluvião

Um comentário:

  1. Dirlen,
    Achei o poema excelente! Envolve tanta coisa que é até difícil comentar. Fiquei me lembrando dos tempos de Letras no ICHS/UFOP, essa coisa do meio acadêmico versus o poeta.
    Por outro lado há detalhes curiosos como a paranomásia em "alegoria", o comedor de feijão que me lembrou o Ferreira Gullar. "Sapo boi alumbrado" é bem Bandeira/Bilac, mas numa dimensão contemporâne. A imagem do ser que despedaça é muito boa.
    Parabéns Dirlen! Espero ver o poema publicado em livro em breve!
    Abraços do Teixeira.

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