Noites de dezembro em Caratinga
A cidade adormecida
Regurgita seus sonhos
Em travesseiros inquietos.
Mãos e mentes encastelaram muitos corações
Emparedando vivos desejos e suspiros
Em corpos domesticados
Pela força da cruz e o tilintar das moedas.
Mesmo o frenesi cotidiano
Da luta pela existência
Segue o ritmo de uma melodia
Assustadoramente
Límpida, harmônica e repetitiva.
Dias e noites constituem o tempo
Como nuvens que escondem o sol
Mas não se precipitam em tempestades.
A cidade adormecida parece apenas
Alentar mais sono
Soniferamente
Mais e mais sono.
O que é possível esperar
Dos adormecidos?
Por que nunca elevam seus sonhos
Para os estados de vigília?
Em vigília apenas adormecimento,
Atávico adormecimento.
O que posso além de vomitar e instilar
Todo o meu veneno, revolta e insatisfação
Neste secreto pedaço de papel?
O que além de contemplar
O suor entre meus dedos mal iluminados
Por mais uma noite áspera e indeglutível?
Quantos loucos e inconformados deverão
Formar fileira lado a lado
E sacrificar-se
Junto a viciados, pederastas, putas, pequenos delinquentes e dementes
Para poder afrontar o curso naturalizado
Das coisas?
Caratinga, amaldiçoada por seus malditos
Sem pernas e braços,
Incapacitados, acorrentados e impotentes
Para subverter algo a mais que a si próprios!
Caratinga, cidade dos exilados
Daqueles que se exilam dentro ou fora de ti,
Dentro ou fora de si.
Por que insiste em prantear e rir
O pranto e o riso carpidário e televisivo?
Caratinga, soterrada entre montanhas
Caratinga, inundada pelas águas do rio
Caratinga, protegida pela sombra das palmeiras
Caratinga, pequeno e singelo ponto no mapa
Elísio demoníaco e celestial
Que se mantem demoníaca e celestialmente.
Suas orações e blasfêmias
Se igualam
Em um mesmo composto,
Uma mesma mecânica moral.
Caratinga que me gerou
E me quis um dos seus
Por que tanto reluta
Em contemplar-se no espelho e enxergar
Para além das roupas e sapatos?
É tão constrangedor e brutal assim
Encarar a sua própria nudez?
Pois a nudez alheia sei que aprecia,
E como aprecia...
Em seus escritórios, praças e bares
Fala e evoca imagens dos outros que estão nus
De seus inimigos e aliados que querem desnudar
De seus meninos e meninas, homens e mulheres
Que ambiciona descascar
Como uma fruta impassível ao alcance
De uma
Apenas uma das mãos
A outra,
Deve manter no bolso
Ou pendente ao corpo
Como demonstração visível de como finge
Ser limpa, correta, pura e sincera.
Caratinga, não pode enganar-se por muito tempo
Nem o tempo todo.
Seus espectros insones sempre lhe perseguirão
Aqui ou do além túmulo
Seus vivos e mortos insaciáveis
Pairam sobre o seu coração reservado e autocontido.
O efeito corrosivo de seus filhos mal paridos e renegados
A ação do tempo do mundo sobre ti
É inexorável
Com ou sem profetas de ação e profecias de fogo
E não há sinos nem catedrais
Nem bispos ou prefeitos
Capazes de sustentar sua atonia
Indefinidamente.
No interior daquilo que há
De mais podre em ti
Os elementos dinâmicos da vida
Também se agitam
Ainda que comprimidos e invisíveis.
Seus mais sólidos alicerces
Estão assentados em terreno pantanoso
E o pântano vai lhe engolir, Caratinga.
Querendo ou não, você afundará
Na lama que acredita ser rocha sólida.
Sua curiosa fortuna
É que o pântano também é vida
Respira, transpira e reproduz
Vida
Seus gases pútrefos nutrem e vivificam
Matéria orgânica e inorgânica.
Por isto não terá
o destino submarino de Atlântida.
E será impelida a se refazer
Recriando-se com as ruínas
Daqueles que agora te arruínam.
Caratinga, cidade-pântano
Não cidade-cemitério
Caratinga, cidade-borrão
Não cidade-apagada
Meu sorriso tímido de lagarto
É incapaz de expressar a estranha sensação de ter
Na boca e nos olhos
O amargo e vívido vestígio
De seu prateado amanhecer.
Cassio Brancaleone
(Caratinga, madrugada de 30/12/2007)
quinta-feira, 15 de abril de 2010
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