domingo, 1 de setembro de 2013

Minha religião



Minha religião não tem nome
é a de um livre pensador
nela o dinheiro e a prosperidade
não são usados como isca para angariar fiéis
e a fidelidade é um valor
cuja satisfação supera, em muito,
os prazeres buscados por quem é infiel
à esposa, aos pais e a si mesmo

Minha religião não tem deus
quando deus é entendido como um território
usado para separar as tribos
e proclamar a verdade de uns em detrimento dos outros

Minha religião não tem um templo
por entender que o templo são todas as casas;
os corações são catedrais
e a devoção que se dedica a uma pessoa
é o altar mais abençoado do mundo

Minha religião não tem orações
porque orações são as coisas que falamos
todos os dias e a todo momento
e por ela aprendi
que mais vale aquele que não profana,
não amaldiçoa, nem usa de mentiras, nem reclama
das agruras da vida ou dos outros
pois falar é orar
e orar é usar o poder da linguagem
para o bem e para a beleza da vida

Minha religião não tem datas marcadas
para satisfazer à sanha dos comércios
ou dar crédito à voracidade devastadora das indústrias
mas sim para viver todos os dias
uma profissão de fé em si mesmo
e uma crença inabalável no futuro
por força daqueles que não deixam o espírito do mal
ou da infidelidade, ou do rancor ou das drogas
ocupar o espaço abençoado de suas vidas

Minha religião não tem dogmas ou rituais
que arregimentam os rebanhos
e que escravizam as mentalidades
pois um bom homem não precisa de dogmas
para ser feliz
nem uma boa família necessita de rituais
para receber os amigos e praticar o bem

Minha religião condena vários pecados
mas nenhum deles obedece a uma fórmula simples
em que o ser humano tem duas escolhas;
pois até mesmo um criminoso pode ser perdoado
e muitos pecados que a tradição condena
no contexto da miséria são verdadeiras virtudes

Minha religião apregoa
a verdade insofismável de que o pior pecado
é a corrupção –
o grande mal humano, o maior crime
e a pior tentação
que viceja e prolifera no coração dos injustos
aos quais será dado como herança o Reino da Morte

Minha religião se professa sozinho
pois a solidão muitas vezes é conselheira
e todo bem humano e toda decisão
em prol de uma vida que abandona
o niilismo do passado, os erros e os vícios
somente encontram frutificação
na semente que o homem carrega
dentro de si mesmo e que só ele próprio
rega...
pois ninguém é dono de ninguém
e a mudança e a felicidade
e o verdadeiro poder e a verdadeira bondade
são frutos, em primeira instância,
do amor próprio.



Úmero

Um comentário:

  1. Foi com muita felicidade que constatei que este espaço ficou deserto. Por mais de um ano ninguém postou mais nada. Fiquei muito feliz, porque imaginei com muita inocência que quanto menos pessoas estiverem lendo internet, mais pessoas haverá lendo livros. Não sei por que tenho esse sonho ou ânsia de imaginar uma utopia em que as pessoas vivam intensamente o mundo da palavra. Eu mesmo, de minha parte, tenho estado deveras lento em minhas leituras. Nos últimos meses só me foi dado traçar uma Agatha Christie aqui, um Saint-Exupery ali, e descobri na literatura espírita um romance muito empolgante e bem escrito: "Perdoa". Tem base? Mas é isso, menos gente perdendo tempo nesta merda de internet, mais gente lendo algo que realmente promete. Quisera Deus os blogs ficassem desertos como este - mas enfim, viva a liberdade, não é não? Viva a liberdade, deixa o povo ler porcaria, deixa a vida do povo passar com o muito tempo que se perde no entretenimento vazio dos textos que não levam humanidade nenhuma a lugar algum... Ah, sonho besta é pensar que a literatura possa ser uma ponte. As peças estão desmontadas, difíceis de serem conectadas, não há uma construção visível no mar de lama da pós-modernidade multifacetada. Os textos se perderam numa massa acrítica e empoeirada... Esses dias saí de um sebo em São José dos Campos com uma edição de Eurípedes, e decidi ler tragédia grega. Foi a peça Hipólito que me abriu os olhos para o seguinte fato: como a deusa Vênus é vingativa! Isso me bastou pelos próximos dias sem ler nada. Posso ficar remoendo essa porcaria de informação dúbia... Ah, que bom é um blog deserto!

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