Minha religião não tem
nome
é a de um livre pensador
nela o dinheiro e a
prosperidade
não são usados como isca
para angariar fiéis
e a fidelidade é um valor
cuja satisfação supera,
em muito,
os prazeres buscados por
quem é infiel
à esposa, aos pais e a si
mesmo
Minha religião não tem
deus
quando deus é entendido
como um território
usado para separar as
tribos
e proclamar a verdade de
uns em detrimento dos outros
Minha religião não tem um
templo
por entender que o templo
são todas as casas;
os corações são catedrais
e a devoção que se dedica
a uma pessoa
é o altar mais abençoado
do mundo
Minha religião não tem
orações
porque orações são as
coisas que falamos
todos os dias e a todo
momento
e por ela aprendi
que mais vale aquele que
não profana,
não amaldiçoa, nem usa de
mentiras, nem reclama
das agruras da vida ou
dos outros
pois falar é orar
e orar é usar o poder da
linguagem
para o bem e para a
beleza da vida
Minha religião não tem
datas marcadas
para satisfazer à sanha
dos comércios
ou dar crédito à
voracidade devastadora das indústrias
mas sim para viver todos
os dias
uma profissão de fé em si
mesmo
e uma crença inabalável
no futuro
por força daqueles que
não deixam o espírito do mal
ou da infidelidade, ou do
rancor ou das drogas
ocupar o espaço abençoado
de suas vidas
Minha religião não tem
dogmas ou rituais
que arregimentam os
rebanhos
e que escravizam as
mentalidades
pois um bom homem não
precisa de dogmas
para ser feliz
nem uma boa família
necessita de rituais
para receber os amigos e
praticar o bem
Minha religião condena
vários pecados
mas nenhum deles obedece
a uma fórmula simples
em que o ser humano tem
duas escolhas;
pois até mesmo um
criminoso pode ser perdoado
e muitos pecados que a
tradição condena
no contexto da miséria
são verdadeiras virtudes
Minha religião apregoa
a verdade insofismável de
que o pior pecado
é a corrupção –
o grande mal humano, o
maior crime
e a pior tentação
que viceja e prolifera no
coração dos injustos
aos quais será dado como
herança o Reino da Morte
Minha religião se
professa sozinho
pois a solidão muitas
vezes é conselheira
e todo bem humano e toda
decisão
em prol de uma vida que
abandona
o niilismo do passado, os
erros e os vícios
somente encontram
frutificação
na semente que o homem
carrega
dentro de si mesmo e que
só ele próprio
rega...
pois ninguém é dono de
ninguém
e a mudança e a
felicidade
e o verdadeiro poder e a
verdadeira bondade
são frutos, em primeira
instância,
do amor próprio.Úmero
Foi com muita felicidade que constatei que este espaço ficou deserto. Por mais de um ano ninguém postou mais nada. Fiquei muito feliz, porque imaginei com muita inocência que quanto menos pessoas estiverem lendo internet, mais pessoas haverá lendo livros. Não sei por que tenho esse sonho ou ânsia de imaginar uma utopia em que as pessoas vivam intensamente o mundo da palavra. Eu mesmo, de minha parte, tenho estado deveras lento em minhas leituras. Nos últimos meses só me foi dado traçar uma Agatha Christie aqui, um Saint-Exupery ali, e descobri na literatura espírita um romance muito empolgante e bem escrito: "Perdoa". Tem base? Mas é isso, menos gente perdendo tempo nesta merda de internet, mais gente lendo algo que realmente promete. Quisera Deus os blogs ficassem desertos como este - mas enfim, viva a liberdade, não é não? Viva a liberdade, deixa o povo ler porcaria, deixa a vida do povo passar com o muito tempo que se perde no entretenimento vazio dos textos que não levam humanidade nenhuma a lugar algum... Ah, sonho besta é pensar que a literatura possa ser uma ponte. As peças estão desmontadas, difíceis de serem conectadas, não há uma construção visível no mar de lama da pós-modernidade multifacetada. Os textos se perderam numa massa acrítica e empoeirada... Esses dias saí de um sebo em São José dos Campos com uma edição de Eurípedes, e decidi ler tragédia grega. Foi a peça Hipólito que me abriu os olhos para o seguinte fato: como a deusa Vênus é vingativa! Isso me bastou pelos próximos dias sem ler nada. Posso ficar remoendo essa porcaria de informação dúbia... Ah, que bom é um blog deserto!
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