Quanto à Liberdade
24 de março de 2010.eu tinha medo de me dizer artista e era pra não cair na vala comum que é se acreditar demais ou , pior, condenar-se a uma santidade pós-moderna que inversamente acredita-se de menos, e tem como objetivo o idêntico simular de uma espécie de nirvana que é paradoxalmente materialista. mas acontece que de alguma forma eu também percebia que não se acreditar era estranhamente comum aos homens que se autovalorizam santos e que são falsos. então, parecia que era como se não ser comum, sem questionar o fato, ganhasse status superior e o artista passasse a ser divino por não ser comum, sendo, portanto, pela característica incomum, um condenado à mesma santidade pós-moderna que por si só já é falsa. mas aí eu estava pensando, por estes dias, que preciso ver a vida mais colorida e foi quando eu ouvi uma menina dizer que ainda bem que ela era artista. e, acontecendo que o desenho dela nem era tão bom, eu tive um clic que foi alguma coisa daquelas que antes eu não tinha porque era criança e aquele clic não vinha. mas, então, ele veio e eu entendi que estava lá na fala daquela menina a resolução de uma questão que eu ainda não tinha resolvida pra mim. e a resolução me dizia que, na verdade, ser artista ainda era estar feliz com o poder olhar o quadro molhado, recém lambrecado de tinta, ou o desenho no papel de caderno, e dizer para si e para os outros: ainda bem que eu sou artista. afinal de contas, no fim do dia, os não artistas voltam pra casa, para as suas poltronas e para as suas novelas, e para os noticiários ou cursos on-lines, e tudo o que sabem fazer, ou nem sabem, é pensar que amanhã precisam estar descansados para o trabalho. e, no caso do artista, mesmo que ninguém goste do desenho (também servem músicas, bordados, escritos e afins), mesmo que ninguém mais saiba que aquilo é arte , mesmo que a obra não seja muito boa, mesmo que não se ganhe dinheiro ou reconhecimento e as dívidas se amontoem no topo da geladeira, ao invés de voltar pra casa para simplesmente repor as forças necessárias a um trabalho alienado, o artista vai desenhar , cantar, tocar, bordar ou escrever qualquer coisa que talvez não seja linda, mas que é sua. e isto tudo é só para, depois de fazer, olhar com satisfação para a coisa e dizer : ainda bem que eu sou artista. e sendo assim, da condição de o condenado da história, o artista passa a dono de sua mais-valia ; e ao invés de mero sujeito de uma auto-valoração ridícula, o artista é livre.
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